As horas nunca passaram tão devagar. Meus olhos desistiram de acompanhar o movimento monótono dos ponteiros, e numa luta desesperada para se manterem acordados, distraem-se observando o vaguear incerto das luzes coloridas que invadem o meu quarto pela cortina semi-aberta. São as luzes das festas. Os fogos me incomodam, assim como os risos e toda algazarra que vem da rua. Hoje é dia de ano bom.
Parece que faz duas horas que olhei o relógio pela última vez. 23h30min. A hora é a mesma. Chego a achar que o relógio está com defeito, mas logo o ponteiro dos segundos se move preguiçosamente, num esforço fora do comum, como se fosse desistir do ofício. As minhas costas doem, mas não quero me virar. Quero continuar de frente para o relógio esperando os minutos passarem. A luz está acessa. Não posso dormir. Falta pouco agora. Ela disse que ligaria às 23h50min. Olho o telefone ao lado da cama. Ele está calado, frio, imparcial. Não dá a mínima para o que estou passando. Angústia! Penso em ligar, mas uma ponta de dignidade me lembra o amor próprio. Os olhos se enchem de lágrimas antigas que nunca deixei cair. Lágrimas amargas que chegam ao canto da boca. Um nó na garganta me sufoca. Penso na morte; em deixar a vida, que nunca pareceu fazer questão de mim. Dores adormecidas se aproximam para fazerem companhia ao meu estado emocional. Ansiedade! Ensaios de ansiedade: sofrimento dobrado, sentimento que anuncia o fracasso.
23h50min. Enxugo as lágrimas, tento me recompor. O telefone toca… É engano. Levanto da cama desnorteado, abro a cortina como se estivesse espiando algo que não devia. Vejo minha vida miserável através da alegria alheia. Eles estão cantando. A música alta é deprimente e me machuca como o sol pra quem vive nas cavernas. Volto ao choro. Os fogos se intensificam, mas não ouço nada; não quero ouvir. Apago as luzes e me atiro na cama.
0h15min. O telefone toca novamente e me acorda. Eu estava sonhando e por isso demorei a atender. É ela. Ainda estou magoado, mas ao som de sua voz, já não sinto rancores. É como a música de Davi aos ouvidos de Saul. Meus demônios se vão e uma alegria me invade. Meu espírito se renova e cicatriza as inúmeras feridas que minha ansiedade fez.
Desligo. Adormeço e volto a sonhar com ela.
Está tudo tranqüilo agora. Estou na rua compartilhando as luzes coloridas. Pessoas por todos os lados. A música está alta, mas eu não ligo. Ela está na multidão… Ensaio nova ansiedade. Mas ela me abraça, sussurra o meu nome, e diz que nunca mais vai me deixar. Encontro paz.

Autor: Antonio Severo dos Santos Júnior
Rio de Janeiro / RJ

P.S:

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